LENDA DE CASCAVEL (Cidade do Paraná. Região Oeste)
(conto)
Sol, chuva, vento... Não importava. Os planos de Zé estavam a ser consumados. Dali a três dias estaria de partida. O norte do Paraná fazia muito calor. Terra vermelha. Só o fato de sair de Londrina, ou seja da pequena Londres como era conhecida, passar por Cambé e Maringá, animava os tropeiros. Comprando gado e vendendo, mas o principal destino: Encruzilhada, no Oeste do Estado. Demoraria dias, meses... para chegar nesse pequeno patrimônio.
A pensão de dona Tilde recepcionava vários tropeiros. Os que apareciam com mais frequência era o Zé com os peões, vindo do Norte, Eusébio, vindo de vários lugares do Sul do Estado e alguns de Foz.
Nico havia passado por Campo, Mamborê e estava em Brasiléia, dirigindo-se para Encruzilhada.
- É isso aí peonada. Não vejo a hora de chegar no nosso destino e... ver aquelas donas!!!
- Que donas. O que está falando, homem? - Perguntou Nico com uma certa irritação.
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- A “tiia” da dona “Tirde”...
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- Pára com isso Bastião. A minha preocupação é levar o gado até lá e vendê-los. O meu negócio é “réis”, entendeu?
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- É patrãozinho, o “sior” só pensa em “réis”. “Nóis” só pensa em “muié”...
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- É isso Bastião. Lá perto da Encruzilhada da Varanda tem uma casa azul coberta de tabuinhas. Vamos fazer uma visita para aquelas donas bonitas...
- A equipe reuniu o gado nas margens do Rio Toledo, em Brasiléia. A água do rio era cristalina, que dava pra ver os peixes no fundo. Antes de equipar os animais cargueiros com cangalhas e bruacas, tomaram uma cachaça que tinha num garrafão e foram sestear.
Maria Isabel, filha de dona Tilde, a Bel como a chamavam, encilhou o cavalo preto e saiu campo a fora com destino a Brasiléia. Janguinho, o criado da casa, pegou a espingarda, cachorro e buzina feita de chifre de boi e foi caçar. Paca era a carne preferida de todos os da casa. Dificilmente o jovem caçador voltava de mãos vazias.
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Onde foi aquela guria, a Genoveva? - Perguntou a mãe preocupada com o alojamento dos hóspedes que chegariam em breve.
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Mamãe... Ela falou pra Cida que ia até Toledo!
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Onde é que fica esse tal de Toledo? Eu conheço o Rio Toledo.
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É lá mesmo, papai. Acontece que mudou de nome. A vila cresceu e mudou de Brasiléia pra Toledo.
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Não havia mudado para Cristo Rei, filha?
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Sim, papai, mas mudou de novo!
Maria Isabel foi se encontrar com Nico. Os peões não faziam a menor idéia, conhecendo o patrão como conheciam. Era tímido, evitava até de falar em mulheres, mas entre os dois existia um fogo de paixão. Bel chegou ao acampamento assustando os tropeiros.
Nico! - Disse ela, um pouco apavorada.
Nisso o tropeiro saiu na porta da barraca.
Eu quero falar pelo menos uma hora contigo. Ordena que alguém cuide do
Granada. (Granada era o nome do cavalo que a moça montava). Tu sabes o porquê que estou aqui. Meus pais não sabem, só minha irmã Genoveva. Eu estou com medo. Eles não querem o nosso namoro, porque acham que todo o tropeiro é malandro. Eu não me importo. Eu sei que tu frequentas a casa Azul lá na Encruzilhada. Eu fico morrendo de ciúmes, mas não posso fazer nada. Homem é homem!
Pode sim, Bel. Casa comigo! Eu te amo!
Eu também te amo, Nico!
A declaração foi comemorado com um longo beijo. Poderia ser melhor se a rapaziada não ficassem rindo dos dois apaixonados. Foi um coro de risadas. Combinaram entre eles que se os pais não consentissem, ela fugiria de casa, mesmo que fosse deserdada.
Na casa da dona Tilde, o que se estranhou, que tanto ela como o velho que eram exigentes demais a respeito das filhas, os dois estavam calmos. Bel chegou e explicou tudo, para a mãe, e esta repassou ao pai. Nico pediria sua mão, assim que chegasse.
Durante uma semana, foram chegando o pessoal vindo de vários lugares. A pensão era grande, um casarão antigo com sótão, porão e a cobertura um pouco empenada. Assentados na varanda, alguns peões com gaita, violão e viola animavam a festa informal. Outros assistiam, tomando chima e fumando palheiro.
O objetivo de Zé, tocando sua viola, era conquistar Maria Isabel, mas Nico foi mais esperto. A mesma moça todos se interessavam, pois era a mais bonita. Os outros, mesmo não sendo isso o que queriam, um namorou a Cida e o outro Genoveva.
Nico comunicou a todos que iria se casar com Bel. Na próxima viagem ficou de trazer as alianças e na outra casar-se. Todos foram unânimes em gargalhadas, mas enfim, aplaudiram.
Agora, cada um vai para o seu quarto, que logo amanhece, e nós precisamos descansar. - Sugeriu Zé.
Após alguns já ter se esticado na cama, ainda ficou uns que se demoraram mais um pouco. Quando silenciou...
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O Bastião! Tu tá dormindo?
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O que foi Nico! Dorme, homem! Amanhã, quero dizer daqui a pouco “tu vê ela!” Tu és um cara de sorte “memo!”
Eu não estou falando disso. Escute só esse barulho, pertinho donde está o meu cavalo!
Eusébio no outro quarto, percebeu a bulha. Levantou quietinho, pegou uma cartucheira e saiu para o lado de fora. O barulho cessou um pouco, depois continuou: zzzz... zzz.. zzzz...
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É uma.. cobra... cascavel!!!
Nisso, Nico e Bastião já haviam se levantado. O marido de dona Tilde também se levantou com um machado na mão. Disse que uma vez uma cobra naquele local, e a outra escapou.
Eusébio foi se aproximando do local que vinha o ruído do guizo. Mané trouxe uma lanterna de querosene e entregou a Eusébio.
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Vem cá Mané. Segure isso pra mim.
O moço segurou a lamparina. O homem deu um tiro de espingarda no rumo onde estava a cobra. Uma conseguiu matar. A outra adentrou-se num buraco. Naquela noite, ninguém dormiu, devido o medo que os apavoravam. No dia seguinte, cavaram o esconderijo da serpente, mas o que ninguém imaginava, que ali fosse um ninho de cascavéis. Mataram, suponha-se, todas. Não houve prejuízo, nem humano nem para os animais.
No período de um ano depois, realizou-se dois casamentos na casa de dona Tilde. Maria Isabel, a bonita e formosa Bel, com Nico. Genoveva com Bastião. Todos começaram a chamar a pequena localidade de Encruzilhada da Varanda, de Cascavel, devido ao episódio triste na noite do horror. Até mesmo as cartas que a família de dona Tilde recebia, vinha escrito assim: “Encruzilhada da Varanda e entre parênteses, Cascavel.
Cida não se casou. O seu pretendente era Eusébio, mas não se sabe o porquê, ela preferiu ficar solteira. Queria ser freira, mas não chegou a ir para o convento. Ficou apenas para titia. Para benzer tormenta, - brincava ela.
O velho casarão foi demolido. Os proprietários faleceram. Os herdeiros venderam a propriedade. Com o apoio do Governador do Estado do Paraná, em 1952, foi oficializado a cidade de Cascavel, que só cresceu, cresceu e continua dando condições de vida melhor a todos os que a adotam como sua cidade, seu rincão, sua casa...
(Christiano Nunes)
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- Ps: Este conto foi classificado em primeiro lugar, nesta categoria, em 1997, num concurso literário promovido pela Secretaria da Cultura da cidade de Cascavel - Pr.
MARÍLIA
(Conto)
Faltavam alguns minutos para o sol se esconder atrás do morro. Os pássaros faziam a cantata vespertina. O barulho dos carros ouvia-se ao longe, porque não era muito distante da cidade. O sítio do senhor Abílio localizava-se entre as serras, um lugar privilegiado. De lá podiam ver o sol nascer e se por. Sob a sombra dos abacateiros o casal costumava sentar-se para descansar e matear um amargo.
Marília, a filha caçula encilhou o petiço e saiu estrada a fora. Disse a seu irmão que ia encontrar-se com Juvenal, seu amigo, mais conhecido na região, como Vená. O mano só ficou pensando, o porquê ela iria encontrar-se com ele naquele horário. O pai era uma fera. Se algum dos filhos desobedecesse, a surra com o rabo de tatu era na certa. No máximo às nove da noite, tinham que estar todos em casa, fazer a prece e dormir.
Chegou o horário de todos irem pra cama... e nada da guria. O seu Abílio começou a ficar preocupado. Andava de uma lado para o outro. Nada de Marília. A mãe ficou também nervosa. Teve uma ameaça de ataque de nervos. O velho ficou mais louco. Todos ficaram agitados. Ninguém dormiu.
Abílio deu ordens aos filhos, que saíssem à procura da moça. Ele ia de um lado, os outros dois filhos do outro. O padrinho da menina também foi. Cada um teria que levar uma buzina, que era usada em caçadas, e quando a encontrasse, era para acionar aquela corneta feita de chifres, para que os outros soubessem que já havia sido encontrada. A mãe ficou com a outra filha e Dolores, a madrinha de Marília.
Cada um saiu em sua missão. Foram até à residência do pai do Vená. Eles não sabiam do guri. Só disseram que havia saído, mas não falou onde ia. Rondaram a noite inteira... e nada de encontrá-los.
O que ninguém sabia, que há dois meses Marília e Juvenal mantinham um romance secreto. Não falaram pra ninguém, devido a rudeza do velho Abílio. Se falassem, os dois entrariam na açoiteira. Aí, resolveram que iriam fugir. Era uma loucura, mas o único jeito dos dois ficarem juntos.
Os dois partiram. O rapaz na rédea e a menina na garupa do petiço. Foram rumo a uma fazenda vizinha, distância de trinta quilômetros de onde moravam. O jovem casal amanheceu na propriedade do seu Fulgêncio. Foram até lá pedir trabalho e lugar para ficarem. Como diziam eles, foram à procura de “capão pra pouso”.
Depois de quinze a vinte dias, Marília voltou pra casa. Arrependeu-se do que havia feito. Deixou Vená trabalhando e fugiu dele. Não era isso que ela queria. Foi apenas uma loucura. Chegou em casa e foi recebida pela mãe e por um dos irmãos. Os demais não queriam mais vê-la, “nem pintada de ouro”, como dizia o ditado da região. O pai da moça havia viajado, ido pra casa de parentes.
Ao voltar, seu Abílio encontrou Marília sentada debaixo de uma jabuticabeira, no sítio da família. O pai ao vê-la... Ficou nervoso, furioso, mas... Não conseguiu pronunciar palavra alguma contra a filha. Mas, em compensação.... passou a mão num chicote e mais alguma ferramenta de tortura, agarrou a filha pelo braço.. e...
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Debaixo do pé de jabuticabeira, onde antes Marília descansara, há uma cruz com uma inscrição que diz: “PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA”
(Christiano Nunes)
A PAIXÃO MAIOR DE SUELEN (Conto)
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O sol esquentou após a forte chuva de verão. Salustiano dava uma volta a pé na invernada, como era de costume diariamente. Sua fazenda não era bem cuidada, mas parece que a sorte estava ao seu lado. O gado não morria e as plantações davam quase que automaticamente sem precisar de muito zelo. O milho e o feijão eram as principais agriculturas cultivada pela família. Uma vida média, sem muito dinheiro, tinham o suficiente para viver tranquilo. Dona Erondina sua esposa , fiel companheira, tinha a saúde muito instável. A maior parte do tempo passava adoentada.
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O casal, já com quase doze anos de união, ainda não tinham filhos. Graças aos remédios receitados pelo médico da capital gaúcha, que Erondina pode ter o primeiro filho. A gravidez foi normal até mais ou menos o oitavo mês. No último período começou sentir dores. Salustiano Cabral quase entrou em desespero, não sabia o que fazer.
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Sérgio Mendonça, o criado da casa, encilhou o zaino e saiu noite a dentro, até à casa de dona Eleonora, parteira da região. Chegando de madrugada na residência da bondosa senhora, levando consigo outro cavalo encilhado com um selim, para a condução da mulher. Esta como de costume, não se deu por trabalho. Avisou os seus, e lá se foram estrada à fora. Chegaram do retorno quase na hora do almoço. Dona Erondina estava um pouco melhor, já conseguindo fazer os trabalhos domésticos.
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As dores haviam cessadas, mas, logo ao anoitecer, voltaram com mais intensidade. As contrações começaram. Passaram a noite em claro, utilizando uma velha lamparina.
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A mais ou menos cinco ou seis da manhã, dona Erondina piorou. A velha parteira ordenou que todos os homens se retirassem. Foram alguns para o campo, outros simplesmente saíram para não presenciarem alguém dar a luz. Só ficou dona Eleonora e a comadre Teresa que auxiliava no parto.
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O velho relógio da parede marcava oito horas. Ouviu-se alguns gritos. Nascia uma linda menina de olhos azuis. Que alegria. Depois de tantos anos...
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Erondina sofria, mas seu coração explodia de júbilo. A linda Suelen... Era a coisa mais importante em sua vida, abaixo de Deus. As lágrimas não cessavam, cada vez que acariciava a criança. Finalmente... Sentia-se a mulher mais feliz do mundo. Os olhinhos claros da bebê brilhavam. Parecia que sentia que fora bem vinda à luz. O batizado ficou por conta de Serginho e a esposa Eliane. Naquela casa estava sempre cheia de amigos e parentes, mas a principal personagem: Suelen.
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No primeiro aniversário, a menina estava gordinha e cada vez mais bonita. Quase nunca ficava doente, a não ser de vez em quando, uma dorzinha no ouvido ou na garganta. Em pouco tempo já estava boa. A vizinha Teresa cuidava da criança, devido ao estado de saúde da mãe.
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Aos dezoito meses de vida da filha, a mãe adoentou-se pra valer. Tomando os remédios caseiros, estes não faziam mais efeitos. Salustiano a levou até Porto Alegre, para tratamento. Suas economias haviam acabado. Começou a vender o gado, cavalos e outros animais para pagar as despesas com a mulher. Os medicamentos davam uma pequena melhora, mas a dor voltava cada vez mais intensa. Em oito meses dona Erondina faleceu, deixando a pequena Suelen de dois anos e dois meses...
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Salustiano havia ficado sem recursos para cuidar da filha. Esta ficara com seus tios, na capital gaúcha. Estes tinham uma vida financeira boa, o que garantia a educação dos filhos e da sobrinha...
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Suelen concluiu até o curso colegial em um colégio protestante. Na festa dos quinze anos, conheceu Flórido, jovem moreno claro, olhos esverdeados, baixinho, romântico, poeta e muito gentil. Este sendo órfão de pai, desde cedo aprendeu a lutar pela sobrevivência. Havia colado grau no mesmo colégio há dez anos antes. O encontro dos dois foi uma coisa inesperada, pois ele participou da festa, graças a um trabalho que foi fazer na casa da família Cabral. Os dois entreolharam-se, conversaram e marcaram um encontro fora dali.
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Na semana seguinte, em um restaurante na Avenida Farrapos, lá estavam os dois, conversando sobre seus planos futuros. Ele pretendia voltar a estudar e fazer o curso de Engenharia Elétrica. Ela gostaria de formar-se em Letras, pois era a área que gostava. Flórido, com muito custo e timidez, segurou sua mão. Esta correspondeu segurando a dele também. Trocaram sorrisos. Os beijos reservaram para o próximo encontro.
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A jovem loira saiu daquele lugar muito feliz. Ninguém havia mexido tanto com seu coração. Dormia e acordava pensando em Flórido Nev. Ele por sua vez, fazia o mesmo. Parece que haviam nascido um para o outro. Todas as tardes ela ia à capela próximo da sua casa para rezar. Rezava pelos amigos e pela felicidade dos dois. Sonhava em viver ao seu lado, poder lhe dar filhos e fazê-lo feliz. Uma semana sem ver seu amor, parecia durar uma eternidade.
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A meningite começou a atacar as pessoas sem piedade. A ciência médica não havia descoberto o remédio para eliminar a praga. Suelen recebeu um telefonema. A voz no outro lado da linha quase não saía. A emoção era grande. Uma má notícia. Flórido... adoentou-se, pouco tempo depois... faleceu... O mundo parecia ter acabado para ela. Sentia-se solitária, Ninguém, mas ninguém mesmo, seria como ele. - Pensava. O que fazer da vida? Resolveu dedicar tempo para Deus, e em ajudar as pessoas.
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Após ter se formado em Filosofia e Letras, realizado um dos seus sonhos, procurou o Convento da Irmãs Beneditinas, onde foi bem recebida. Com muita inteligência, no tempo certo, já estava trajando o uniforme das noviças. Estava toda feliz. Havia superado todo o choque e a tristeza de ter perdido quem tanto amava neste mundo. Foi também uma alegria muito grande para o senhor Salustiano, já avançado em idade. Para os tios, foi um pouco chocante, pois a família era protestante. No ano seguinte ao da formatura no convento, logo que começou a trajar o hábito, perdeu seu amado papai. Estava órfã de pai e mãe.
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Irmã Suelen Nunes Cabral tinha um sonho, que era o de ajudar os menos favorecidos. Após ter cursado a Faculdade, começou a trabalhar com deficientes auditivos, ministrar aula para os surdos. No início achava um pouco estranho, mas aos poucos foi se acostumando.
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Levantou uma campanha para arrecadação de recursos para fundar uma instituição em que pudesse ajudar mais pessoas. Do Governo, conseguiu muito pouco. Cortava estradas, a pé ou de carona com esse objetivo. Conheceu um judeu rico, dono de uma tecelagem e uma rede de lojas de confecções e calçados, que preferiu não revelar o nome a público. Este abrira a mão. Financiou toda a obra, inclusive pagando professores que se fizeram necessário, por um período de cinco anos. Pediu que na história da escola, constasse apenas como anônimo. Era só para mencionar como um “Judeu Legítimo”. Aí, a bondosa irmã, realizara o mais importante dos seus sonhos, que era ajudar as pessoas com deficiências auditivas. Era uma escola especial. Estava fundada a Escola de Surdos do Sul.
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Uma instituição sem fins lucrativos, ajudando a centenas de pessoas deficientes. Após a morte do velho judeu, já tinham recursos o suficiente para continuar o trabalho. Mais tarde, conseguiram ajuda de outros países. Toda a população pobre se beneficiava, pois as roupas vindas do estrangeiro eram vendidas por preço irrisório. E o tempo foi passando...
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Na Escola de Surdos do Sul, ninguém mais via aquela freira dinâmica, cheia de saúde. Ao invés disso, uma irmã paralítica, cega e surda, avançada em idade. Era a presidente de honra. Seu lugar, um quarto solitário, rezando e cantando o tempo todo. Às vezes rezava, às vezes delirava. Não tinha mais noção do que se passava na administração e no funcionamento do instituto, por ela fundado. Perguntava por Flórido, se ele ia chegar, e se havia sarado da meningite. Era conduzida pelas outras irmãs e pelas funcionárias da instituição. Irmã Suelen. Não houve a cura da sua surdez... mas, mesmo assim, era honrada e respeitada por todos. Deixou registrado o seu último pedido. Seu último sonho...
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Em um dos jardins da escola, há uma homenagem à irmã caridosa. Sua sepultura, um túmulo simples, coberto de flores. Seu sonho foi realizado. Essa foi A MAIOR PAIXÃO DE SUELEN. Ninguém a esquece... amada irmã...
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(Christiano Nunes)
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PS. Esse conto, em 1996, foi classificado em segundo lugar no Concurso Literário na categoria Tema livre, promovido pela Secretaria da Cultura na Cidade de Cascavel – Paraná.
O POETA ADORMECIDO (Escrito em janeiro/2011)
(Crônica)
Na sombra do guamirim, numa grama verde e pequenos arbustos. A visão da paisagem não era ampla, devido ao pinheiral fechado de araucárias. O poeta que não sabia que era poeta, sentava-se e ficava a observar. Como se os versos fossem escritos na sua frente, numa grande tela no céu. Olhava as nuvens, as várias formas das mesmas. Ora um carneiro, ora um homem... mulher... criança... anjo...
Preocupado com seus afazeres, saía dali triste. Ninguém sabia o que se passava em seu íntimo. Parecia que só os animais e os pássaros o entendiam. Ouvia cantos de sabiás tentava colocar uma letra e formava melodias dos mesmos. Andava pelos carreiros cantando, acompanhado da orquestra dos passarinhos. O que ele não sabia, que tudo isso tinha um nome: inspiração poética. No grupo escolar onde aprendia as primeiras letras, ouvia falar, mas nem sequer conhecia a tal de poesia. Algumas até falava, mesmo sentado na carteira. Depois aprendeu que aquilo, ou seja, o falar um poema, chamava-se declamação ou recitação. Tinha vontade de escrever tudo o que via e ouvia e sentia, principalmente os coros formados pelas gralhas azuis, símbolo do Paraná. Vez ou outra ouvia seu velho pai falar algumas coisas, alguns versos que dizia que era do tal de Olavo Bilac, Casemiro de Abreu, Gonçalves Dias... onde havia aprendido? Mistério que foi enterrado junto com seu amado papai...
Aprendeu algo, que a chamada poesia tinha que ter rimas. A professora explicava o que era. Dizia que era pra deixá-la bonita. Aprendeu que cada linha, é chamada de verso, e o conjunto delas, estrofes. O primeiro verso tinha que rimar com o terceiro, o segundo com o quarto... e assim por diante. Dizia que rima era a terminação de uma palavra igual a outra. O mesmo som. Exemplo: Brasil com varonil, papel com mel...
O poeta que não sabia que era poeta. Queria tanto escrever... mas onde? Seus cadernos não tinham espaços para outra coisa, exceto para os exercícios escolares. Ali fazia cópias, ditados, cartas, etc. Aquela vontade de escrever o fascinava. Sempre que tinha oportunidade, quando achava algum papel de embrulhos, limpava, desamassava e guardava. Nesses papéis corria a pena de sua caneta ou mesmo o lápis. O primeiro livrinho que leu e releu, foi a estória do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, que na verdade era a propaganda de um antigo remédio fortificante. Depois leu alguns poemas de outros autores. O que mais o fascinou foi a Canção do Exílio de Gonçalves Dias.
O trabalho na roça era obrigação da família. Pois era de lá que tiravam o sustento da casa. Cada ordem dos pais era cumprida à risca, senão o rabo de tatu, o relho, a vara de marmelo... teria serviço... e olha que era mui doído!
Algumas tábuas de cercas tornaram-se papéis, lousa... Nesses lugares o poeta começava a acordar. O carvão principalmente, tornara-se em pena e giz... enfim, um instrumento para registro das emoções. Dezenas ou talvez centenas de pequenos poemas ficaram registrados nesses locais. Uns ficaram escritos tão fortes, que até pareciam misteriosos, porque nem a chuva, nem o sol ou a geada apagaram-nos.
Enquanto existiam essas madeiras, lá estavam a marca desse jovem, aprendiz do tempo e da vida, predestinado para ser escritor. Havia outros lugares que registrava as expressões da sua alma: era a parede do paiol de milhos e o rancho onde seu papai e seus irmãos paravam (residiam de segunda a sexta ou sábado) durante a semana para trabalhar. O velho ficava uma fera. Ainda que muitos anos tivessem se passado podia-se ainda ver alguns escritos seus. Pessoas liam... algumas meneavam a cabeça e se riam em forma de deboche. Outras ao lerem achavam lindos e elogiavam a pessoa que os escreviam. Versos soltos... poesias... poemas... de... carvão... ficaram gravados e cravados no coração do autor.
Se eu pudesse retornar no tempo... e como eu queria voltar! Rever as épocas de ouro da infância que ficou... saudades do poeta que não havia acordado... ingenuidade... companhia com os pássaros...
Muitos que leram, já se foram. Será que ainda há algum que não se apagou? Será que ainda existe uma tábua escrita? Será que alguém hoje passaria por lá e diria como Freud, que um poeta já passou por ali, antes dele? Será que há quem diga: que saudades do poeta???
Versos de carvão... de um poeta. Poeta que não sabia que era poeta. O poeta que acordou... O poeta adormecido...
(Christiano Nunes)
Ps: A palavra poeta ficou repetitiva de propósito, para dar mais ênfase na mesma.
Belíssima interação da poetisa Adria Comparini.
Obrigado Adria, por tanta gentileza. Abraços
Chris
AO POETA ADORMECIDO
Num coração de menino
Havia um poeta adormecido...
Era como se fosse um sino
Que iria nos acordar...
Para as belezas do mundo
Da natureza...do céu...
Tirando de dentro, do fundo
Escrevendo na tábua ou papel...
Um coração cheio de ternura
Uma alma tão sensível..
Com tanta beleza pura
Mas de uma força...incrível!
Veio das matas fechadas
Lindas terras paranaenses ...
Com tantas frases guardadas
Como tesouros...pertences...
Para doar de todo coração:
Seus versos, com rimas belas...
Que mesmo escritas a carvão
Tornaram-se lindas aquarelas!!!
Adria Comparini
Belíssima interação da poetisa Maricília Lopes
Obrigado Maricília, por tanta gentileza. Abraços
Chris
Chris...
"Antes adormecido
O poeta tem crescido em sabedoria
Talvez por ter vivido na simplicidade do campo
CHRISTIANO: Compondo versos
Homenageando
Recantistas
Inventando alegorias
Sonhando o amor
Tecendo poemas
Inéditos
Acompanhando postagens
Novas e de todos os tipos
O poeta desperta e... encanta!
Um grande abraço, Maricília
O TESOURO ENCONTRADO
O menino Abílio se esforçava, mas parecia que de nada adiantava. Três vezes reprovou nos estudos. Duas vezes no primeiro grau e uma no segundo, ficando este sem terminar. Desistiu de tentar. Havia uma qualidade no menino. Falava bem. Boa dicção de voz, mas isso era só em casa. Era muito tímido. Em outros lugares muito quetinho. Seria um bom político, advogado... orador... Era uma questão de treino.
Ao voltar da marcenaria onde trabalhava, avistou numa lixeira, algo que lhe chamou a atenção. Uma pequena sacola, pode ver em cima um pequeno livro. Parou e olhou. Parecia interessante. Observou se não havia ninguém olhando. Abriu e retirou o opúsculo. Limpou-o e leu a capa. O título era Vença a Timidez. Nele havia uma frase que era mais ou menos assim: 'Mande a timidez embora e seja um vencedor'.
Ao ler e reler o livreto chegou a uma conclusão, que nascera pra vencer, que era inteligente e iria conseguir aquilo que queria, isto é, ser feliz e bem sucedido. Fez matrícula e voltou a estudar. Concluiu o Segundo Grau. Fez vestibular numa faculdade pública e passou. Entrou para o curso de Direito. Depois de cinco anos...
O Dr Abílio, além de excelente advogado, começou a dar palestras e a ministrar gratuitamente cursos de incentivação à vida e ao sucesso. Era ovacionado pelas multidões. Venceu a timidez. Tornou-se um excelente orador. Rico, feliz... bem sucedido.
(Christiano Nunes)
QUEM NÃO É VISTO, NÃO É LEMBRADO
(Crônica)
Nos dias de hoje sem a mídia ficamos isolados. Isso é fato, e todo mundo sabe. Se a pessoa souber fazer algo diferente e se apresentar em algum programa de televisão, tipo calouros, dali em diante as portas se abrem. Temos no Brasil e no mundo pessoas famosas que passaram por esse processo. Aí inclui uma infinidade de artistas nas mais diversas áreas: cantores, atores, humoristas, desportistas, poetas, e muitos outros. É um poder incrível que a mídia exerce na sociedade. A maioria dos músicos hoje reconhecidos nacionalmente e até fora do Brasil, só ficaram famosos porque tiveram uma oportunidade de se apresentar num programa desses, de grande audiência.
Se estudarmos a história dos antigos talentosos, podemos perceber que foram só reconhecidos anos mais tarde. Depois que morreram. Exemplo: Mozart, Bethoven... Luiz Vaz de Camões. Este último foi o grande poeta português. Diz a história, que morreu pobre e esquecido. Nos seus últimos dias, morou de favor no porão de um bar. Mesmo tendo escrito a história de Portugal em forma de versos, ninguém lhe deu o devido valor. Poderíamos citar muitos outros.
A frase “quem não é visto, não é lembrado”, pode ser mudado para: quem é visto é lembrado, a partir do momento que alguém projeta em sua mente em ser famoso, a fama acontece. A tv, a internet... oferece esse tipo de recurso. Essa é a importância da mídia na sociedade.
(Christiano Nunes)